Em busca de produtividade e competitividade no mercado internacional, o Brasil tem um grande desafio pela frente, de dar o salto tecnológico para a chamada “indústria 4.0”. Mas o cenário traz oportunidade adicional para as indústrias: oferecer serviços relacionados à digitalização de máquinas e equipamentos.
A chamada indústria 4.0 ou manufatura avançada é o uso de um conjunto de tecnologias digitais como internet das coisas, computação em nuvem, realidade aumentada, “big data”, manufatura aditiva, robôs colaborativos, integração de sistemas e segurança cibernética, de forma isolada ou em conjunto, nos processos produtivos ou cadeias de serviços. A adoção das tecnologias cria ambiente ciber-físico, em que máquinas e sistemas conversam entre si para tornar linhas de produção autônomas, flexíveis e customizáveis.
O problema é que, para especialistas, a maioria das indústrias brasileiras ainda sofre para chegar à terceira revolução industrial, do “toyotismo”, que começou a introduzir a automação e a produção sem desperdícios. A boa notícia é que a transição pode ser feita diretamente, opinam, tornando exponenciais os ganhos de receita para as fornecedoras, de redução de custos para as fábricas e de crescimento da economia.
No Brasil, a WEG, especialista em equipamentos elétricos, já começou a usar o processo digital e agilizou o monitoramento. A empresa até criou um software proprietário para isso e hoje tem uma unidade dedicada ao assunto, chamada “WEG Manufacturing System”. “Eu não ia começar a investir se não desse retorno”, diz Milton Castella, diretor de engenharia da companhia, que
tem atuação no país e no exterior. “Achamos que não haverá só um modelo de negócios, será um híbrido entre venda de produtos e de serviços”, afirma Sebastião Nau, gerente de pesquisa e desenvolvimento da WEG. “Se não fizermos, outro vai fazer.”
A consultoria McKinsey calcula que adotar práticas 4.0, como monitoramento digital em tempo real e tomada de decisões com inteligência artificial – usando dados históricos da fábrica como base – pode reduzir as despesas administrativas de quem as utiliza em até 80%. A produtividade, por sua vez, pode subir 30%.
Mas, para que isso aconteça, as fabricantes de máquinas terão de avançar no desenvolvimento de softwares e prestação de serviços para que as empresas possam se adaptar. “Isso cria inclusive um novo paradigma para a indústria, que é o tipo de mão de obra empregada. Se continuar como está, a massa trabalhadora pode estagnar em 2050 e haver um descompasso entre oferta e trabalho e mão de obra, diz Rafael Oliveira, sócio-associado da consultoria.
Björn Hagemann, sócio da McKinsey, ressalta que as empresas também precisam se preocupar com a segurança da informação e investir no conhecimento dessas tecnologias e ferramentas. Ele afirma que é essencial garantir que os incentivos governamentais anunciados recentemente, de R$ 5 bilhões a R$ 9 bilhões, sejam bem empregados. “Podemos ter três anos, por
exemplo, de baixo desenvolvimento se os recursos não forem bem gerenciados e estrategicamente executados.”
Lá fora, as companhias estão buscando com maior entusiasmo a digitalização do processo fabril. Estudo da consultoria mostra que, só de 2016 para 2017, o interesse por processos com tecnologia subiu consideravelmente. O Japão, por exemplo, passou de apenas 8% de executivos entrevistados que estavam otimistas para 40%. A Alemanha foi de 19% para 62%. “Temos muitos
exemplos de países com incentivo, como Alemanha, Estados Unidos, Japão e China, por exemplo”, diz Hagemann.
Aidan Quilligan, líder global da consultoria Accenture no assunto, explica que o maior desafio até agora é conseguir escala nesses processos. Muitas empresas adotaram unidades-piloto para guiar desde pequenos a grandes projetos, mas não descobriram como implantar a tecnologia em todas as fábricas.
O processo de digitalização pode ser menos custoso e mais assertivo se iniciado pela modernização do maquinário. “O retrofit, com a inserção de sensores ao redor das máquinas já existentes, é o melhor caminho dependendo do tamanho da indústria para ganhar eficiência e produtividade”, diz.
Em pesquisa global, de 2017, incluindo Brasil, com quase mil executivos de 12 indústrias, a consultoria identifica as tecnologias mais críticas na transformação digital dos setores produtivos. Os investimentos com internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) se destacam.
A identificação das tecnologias prioritárias para se inserir neste cenário indústria 4.0 é algo mais tangível nas companhias de economias mais avançadas, segundo dados da pesquisa global da Deloitte, com 1.600 executivos, incluindo do Brasil, de diversos setores. “Aqui no país, algumas empresas estão atrasadas do ponto de vista do uso dessas tecnologias para melhoria de eficiência, muito em função de falta de investimentos por conta da crise financeira”, destaca Ronaldo Fragoso, sócio da consultoria Deloitte.
Como a tecnologia é a principal indutora das transformações nos setores produtivos e nas cadeias de serviços, 44% dos 102 executivos brasileiros já enxergam mudanças em seus modelos de negócios. Para 39% dos executivos brasileiros, a tecnologia é vista como grande diferencial competitivo, sendo que para 29%, a tecnologia não é um determinante atual de eficiência de seus
profissionais.
João Alfredo Saraiva Delgado, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), diz que o salto tecnológico para colocar os negócios no rumo da transformação digital exige, no entanto, um passo anterior para garantir a identificação correta da adoção de novas tecnologias e maquinário. “Como ganhar eficiência, produtividade e
implantar novas tecnologia se os processos estão defasados ou incorretos? É preciso revê-los sob a ótica da manufatura enxuta, o lean manufacturing”, diz, citando como é mais conhecida, em inglês, a filosofia de gestão empenhada em reduzir ao máximo os desperdícios da fábrica.
Para João Carlos Visetti, presidente da unidade brasileira da multinacional alemã Trumpf, é uma questão de definir se o Brasil quer ou não ter vocação industrial para competir no mundo. “As empresas vão precisar investir, mas para isso precisam começar a reduzir endividamento e enfrentar um financiamento que não é mais tão barato. Se não alcançarmos essa produtividade melhor, o país pode ficar para trás”, opina. Visetti comenta que, para acumular dados necessários e implantar os processos de integração e inteligência artificial, será essencial criar um
“intercâmbio de informações” entre as fábricas, mas cuidando da segurança.
“A ironia é que o que era sinônimo de sucesso no passado hoje pode não significar nada, motivo pelo qual alguns funcionários inicialmente são contra os conceitos”, afirma Quilligan, da Accenture. “A Alemanha e o Japão, por exemplo, têm um orgulho enorme de seu histórico industrial, mas isso pode acabar jogando contra pelo conhecimento adquirido de como era o processo
antes. Um dos maiores fatores de sucesso é juntar profissionais de tecnologia, de internet das coisas, e os operários, com plena experiência industrial.
Fonte: Valor Econômico