O consumidor se relaciona com a marca, não com o canal de venda. Esse alerta é feito pelos departamentos de marketing de forma crescente, por conta da presença dos chamados “millenials” (os nascidos entre 1980 e 2000) no mercado de consumo, da massificação do uso de smartphones e da adoção de tecnologias como instrumento para facilitar a vida dos clientes.
Para um setor como o de franchising, que soma 3.039 redes e mais de 142 mil lojas, e que ainda dá os primeiros passos na integração entre seus canais de vendas e o universo digital, o desafio de fortalecer a marca de maneira ‘macro’ é ainda maior.
Com um mercado que faturou no ano passado R$ 151,2 bilhões alta nominal de 8,3% em relação a 2015, pouco mais da metade das redes conta com um e-commerce forte e integrado com as unidades franqueadas. É o que mostra estudo realizado pelo Grupo Bittencourt, em julho de 2016, envolvendo mais de 120 redes franqueadoras, que revelou que o e-commerce complementar à loja física é realidade em 53% das franquias.
Entre as que estão fora do universo digital, 38% afirmam que não planejam entrar no comércio eletrônico. Uma aposta arriscada diante dos dados divulgados pela Deloitte de que US$ 1,8 trilhão em vendas do varejo já é impactado pelo universo digital.
A batalha é dura, esbarra no conceito de franchising, no qual as unidades têm áreas de atuação demarcadas, e na cultura do franqueado que, em alguns casos, ainda olha a venda online como concorrente. Embora o comportamento esteja mudando, com 37% dos franqueados, segundo a Bittencourt, já se sentindo beneficiados pela internet, o exercício de convencimento é longo.
“Passamos dois anos trabalhando para que os franqueados percebessem que o online veio para agregar e não para provocar discussões”, afirma Luiz Felipe Munhoz, diretor do Grupo Afeet, que reúne 186 lojas, das quais 160 franqueadas. Defesas derrubadas, a inte
gração dos canais na rede está em estudo, mas deverá acontecer num futuro próximo, prevê o executivo.
Segundo Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, o tempo de estudo está cada vez mais curto. “O consumidor quer contar com a interação hoje. O varejo como um todo já começou a se mexer, pressionando o segmento de franquia a fazer o mesmo”, afirma. “O desafio maior não é convencer o franqueado dos benefícios dessa decisão, mas alinhar os mecanismos de relação e recompensa entre os canais, para que todos operem em favor da marca, oferecendo produtos e serviços nas mesmas condições e preços.”
Ciente disso, a Hope, com 165 franquias e presença em 4 mil multimarcas, deu o primeiro passo na interação do e-commerce com suas lojas físicas em novembro de 2016, com uma operação piloto na loja da rua Oscar Freire, em São Paulo. No novo modelo, o cliente pode comprar pela internet, retirar na loja ou receber em casa. Até maio, o serviço será levado a mais três lojas e, no segundo semestre, para toda a rede.
“Parece simples, mas na prática não é”, diz Vanda Dias, gerente de e-commerce da Hope. “Para garantirmos o repasse do valor da venda para as unidades franqueadas tivemos que criar um market place, estruturar a logística de estoque para que a loja tenha efetivamente o produto adquirido para retirada e garantir agilidade e facilidade na transação para o cliente.”
A operação ainda sofrerá ajustes, mas em um único dia de promoção neste mês, 10% das vendas do e-commerce já foram direcionadas para a loja, gerando mais fluxo de público para o ponto físico. “O consumidor busca agilidade, enquanto o prazo de entrega do e-commerce é de dez dias, a loja consegue entregar em 24 horas ou permitir a retirada em apenas duas horas”, diz Vanda. “As franquias passarão a operar com um tráfego maior e aprenderão a compor seus estoques de acordo com a demanda do consumidor.”
Para Altino Cristofoletti Junior, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), a necessidade de integração dos canais é uma realidade, mas ainda precisa ser alinhada por conta da legislação. “Franqueadora e franqueados, embora trabalhem a mesma marca, têm CNPJs diferentes”.
Resolver a equação legal e recompensar o franqueado têm sido motivo de insônia para muitos franqueadores. Se por um lado o consumidor quer falar com a marca, por outro, o franqueado precisa estar disposto a abraçar esse comportamento.
Na prática a teoria se confirma. Disposta a estar cada vez mais próxima do consumidor, a Cacau Show criou em 2016 um departamento interno de canais de venda, com o objetivo de trabalhar a integração de todos os pontos de contato da marca lojas físicas, venda direta, venda corporativa e e-commerce. “Num primeiro momento os franqueados se assustaram, mas aos poucos foram entendendo que era uma alternativa de ampliar as vendas”, diz Alexandre Costa, fundador da Cacau Show. “Deixamos claro que não se tratavam de dois negócios, um físico e outro digital, mas de uma só Cacau Show.”
Com mais de 2 mil unidades e faturamento de R$ 2 bilhões por ano só com varejo, a rede fez mais de seis meses de preparação para lançar o piloto, em fevereiro. Primeiro, foram 15 unidades e agora já há cem franquias da capital e próximas a São Paulo integradas à internet. O cliente compra online e a entrega é feita pela loja mais próxima. A franquia recebe 100% do valor da venda e a franqueadora organiza a logística, caso o produto não esteja disponível no estoque da loja.
Pedro Padis, diretor comercial da GS&Comm, adverte, contudo, que quanto mais cedo as redes iniciarem esse processo, mais chances terão de atrair novos consumidores. Caso contrário, o consumidor buscará outras marcas. “Cada rede tem a sua especificidade, mas existem alguns caminhos a serem escolhidos, que atraem e compensam o franqueado”, afirma.
Os modelos adotados por redes como China in Box, que tem no delivery de alimentação seu forte; CERS, de educação e treinamento, entre outras, variam entre comissionamento por região (a loja online é gerida pela franqueadora com comissionamento dos franqueados por região); comissionamento por produtos retirados na loja (loja online administrada pela franqueadora com comissão por click and collect); reserva online e retira na loja, com receita integral para o franqueado; a loja como centro de distribuição e processamento de venda online e, ainda, prestação de serviço na loja (produtos comprados online são direcionados para manutenção na loja). A escolha depende da rede. Mas, uma coisa é certa: só dará resultado se o franqueado acolher a ideia.
Por Katia Simões
Fonte: Valor Econômico