Fundadores e equipes devem avaliar questões tributárias, formato e critérios de concessão para que benefício seja efetivo
O universo das startups adotou uma ferramenta de engajamento já comum no mundo corporativo: a oferta de uma participação acionária aos colaboradores, em geral no modelo de stock option (opção de compra de ações). É uma forma de alinhar a equipe com as expectativas dos sócios e, assim, fazer a empresa crescer de forma responsável e gerar ganhos para todos os envolvidos.
Assim como nas grandes companhias, a perspectiva de vir a ter ações é vista como um estímulo para o funcionário colaborar ativamente para o negócio. A diferença é que, numa empresa nascente, o esforço para crescer pode ser maior, assim como o potencial de valorização do empreendimento. Segundo o coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, David Kallá, as startups, por estarem em fase inicial, não têm um fluxo de caixa muito alto – muitas vezes nem geram caixa – e dispõem de pouco capital. Não podendo justificar salários atrativos, elas compensam a proposta aos colaboradores oferecendo participação societária, explica o especialista.
Em um plano de stock option, o beneficiário recebe uma opção de compra que poderá ser exercida no futuro, quando a participação possivelmente estará mais valorizada. Assim, se a empresa crescer e passar a valer mais, aquele funcionário entrará como sócio pagando menos que outros eventuais interessados, como fundos ou demais investidores não necessariamente envolvidos com o negócio. Apesar de a proposta poder ser tentadora para os funcionários e conveniente para os empreendedores, o sócio fundador do escritório de advocacia SBAC Advogados, Pedro Schaffa, não recomenda este tipo de contrato. “O melhor é tentar oferecer maiores salários, caso a empresa consiga”, diz.
Para os especialistas, antes de fechar acordos de stock option, fundadores e suas equipes devem avaliar questões tributárias, formato do plano e critérios de concessão para que eventuais ganhos possam ser mútuos e efetivos.
Cuidados
Para evitar que o benefício seja concedido a alguém não engajado de fato com o negócio, uma das formas de colocar este tipo de contrato em prática é por meio de vesting. Neste formato, a ideia é que o colaborador vá “vestindo” aos poucos o benefício. Em outras palavras, pode-se determinar no contrato que a participação seja fracionada ao longo de um determinado tempo.
Não há uma forma pré-determinada para a fração, que pode, inclusive, ser definida a partir de metas ao invés de tempo. O formato fica a critério de quem irá conceder o benefício.
Entretanto, a participação pode ser entendida como parte do salário. Desta forma, o empregador corre o risco de precisar pagar tributos trabalhistas e previdenciários em cima do valor da opção de compra de ações.
Do ponto de vista do colaborador, há também um risco semelhante. Mesmo que ainda não exercida a opção de compra, entende-se que a porcentagem a que o colaborador tem direito poderá ser vendida se valorizada, portanto poderá ocorrer a cobrança de imposto de renda em cima do valor da venda.
Sabendo disso, a startup de tecnologia para controle de diabetes GlucoGear oferece stock options somente para prestadores de serviços e acionistas minoritários que almejam maior participação. “Utilizamos o modelo de metas, ou seja, se a pessoa entrega o que foi proposto, ela recebe o benefício”, conta o CEO da empresa, Yuri Matsumoto.
Não existe uma regra para a proposta de participação, mas ela é mais comum em cargos mais altos. “A oferta para posições menores também pode ocorrer caso o funcionário esteja na empresa há mais de um ano, normalmente”, comenta Kallá, do Insper.
Para posições de direção, a oferta de participação pode vir na descrição do cargo, antes mesmo da contratação. O objetivo deste tipo de incentivo, segundo Kallá, é fazer com que o funcionário tenha a visão e o mesmo grau de dedicação que o dono da empresa.
Este é o caso da startup Super Condomínios. A administradora digital de condomínios ofereceu participação a dois funcionários após perceber que a equipe não estava tão engajada como esperado. O gerente de operações recebeu uma fatia de 10%, e um funcionário de tecnologia, 2%.
“Para ofertarmos essa participação, o funcionário deve ter mais de um ano de casa, ser dedicado e ter uma produtividade satisfatória”, afirma o CEO da startup, Ricardo Santos. Os colaboradores beneficiados assinaram um contrato comprometendo-se a não abrir negócio semelhante ou concorrente se saírem da empresa dentro de três anos.
Segundo Santos, além da dedicação e produtividade, o motivo da escolha dos dois funcionários foi estratégico. “O cargo de gerente de operações é uma chave importante na empresa e repor alguém assim gera risco”, explica.
A startup Flowsense também encontrou neste modelo uma forma de fidelizar os funcionários. Há uma porcentagem da empresa separada especificamente com esta finalidade. “Separaramos 15% das contas para dividir por funcionários de cargos mais baixos”, explica o CEO, André Bain.
A empresa já tem dois funcionários que receberam porcentagem, ambos por meio de opção de compra de ações no formato de vesting. Um deles deverá exercê-la por meio do cumprimento de metas; o outro, numa fração de tempo.
Um dos co-fundadores da aceleradora de negócios Liga Ventures, Daniel Grossi, analisa que os planos de stock option no formato de vesting são a melhor opção porque permitem um período de testes. “Dividir uma empresa e construir uma sociedade nunca é uma escolha fácil e deve-se avaliar se as duas partes querem seguir trabalhando juntas”, afirma.
Grossi diz que esse tipo de contrato é comum em startups de todos os estágios e que, se a empresa estiver em uma fase ainda muito inicial, é necessário oferecer maior participação. “É muito natural, nas rodadas de investimento, os próprios investidores pedirem para que os donos criem um plano de stock option para funcionários chaves”, aponta.
Fonte: DCI