Grupo Bittencourt
Grupo Bittencourt

Meu carro, meu negócio


Os adeptos trabalham como autônomos, e o sucesso depende de comprometimento e organização
Eu vou de Uber!
Apesar de não haver vínculo trabalhista entre a Uber e condutores que operam a partir do aplicativo — por meio do qual é possível contratar corridas em veículos particulares —, a plataforma se tornou, sim, uma opção de carreira. Entre os mais de 50 mil motoristas cadastrados no Brasil, é possível encontrar uma boa parcela que usa a ferramenta como caminho para driblar o desemprego. Afinal, num país com 12 milhões de desempregados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), opções alternativas de trabalho se tornaram cruciais. Para outros, as caronas pagas são uma fonte de renda extra. Há ainda os que veem no app uma carreira permanente. O que impulsiona todos esses interesses é o fato de que não faltam passageiros: entre fevereiro de 2016 e janeiro de 2017, o número de usuários ativos no país passou de 1 milhão para 8,7 milhões. Globalmente, são 50 milhões. Para que valha a pena investir horas no sistema, é preciso comprometimento e organização, como pondera Norberto Chadad, CEO do grupo econômico Thomas Case & Associados e da consultoria de gestão de pessoas Fit RH Consulting.
A Uber não informa uma média de valores ganhos por motoristas. Os rendimentos variam muito, mas é possível encontrar no mercado pessoas ganhando até mais de R$ 6 mil por mês. Claudia Bittencourt, fundadora e diretora do Grupo Bittencourt, ressalta que uma grande diferença entre ser motorista da Uber e atuar em formas tradicionais de transporte de passageiros é a ausência de vínculo trabalhista. “Não é um emprego, não existe uma relação de empregado e patrão. É como se tornar dono de um negócio próprio, em que você é o administrador e decide seus horários”, esclarece a administradora especializada em estratégia competitiva e marketing. Antes de aderir ao sistema, é preciso definir claramente o objetivo com a atividade. Claudia Bittencourt observa que, para profissionais com formação de nível superior, a Uber é um paliativo. “A não ser que a pessoa se identifique muito com aquilo e queira continuar, será a última opção para manter a subsistência enquanto não encontra outras oportunidades”, diz.
Norberto Chadad, economista, engenheiro metalurgista e mestre em alumínio, concorda. “Não que atuar nessa área seja depreciativo, mas quem está só driblando o desemprego não deve encarar o serviço como algo permanente e deve continuar buscando outras colocações”, aconselha. “Até mesmo o ambiente do carro pode ser uma porta de entrada. Eu soube de casos de pessoas que acharam emprego num bate-papo com o passageiro”, completa o CEO. “Acredito que o melhor perfil para aderir à Uber de forma duradoura seria formado por profissionais com ensino médio e que gostam de dirigir”, acrescenta. Trabalhadores das mais diversas áreas podem encarar o aplicativo como fonte de renda extra. Em qualquer um dos casos, Norberto Chadad avalia que é preciso seguir alguns passos para atender bem. “Boa educação, saber falar e se apresentar bem é primordial. O código de vestimenta ideal envolve cabelo penteado, barba feita, camisa, calça social e sapato fechado. E nada de camisa para fora da calça, punho dobrado ou calçado sem meia para não passar ar de desleixo”, alerta Chadad. O zelo com o carro também se faz necessário. “É preciso que seja um veículo limpo, cheiroso, apresentável, sem tranqueira”, observa.
Atender bem o cliente aumenta as chances de sucesso, mas, questionado sobre o perfil desejado de condutores, Fabio Sabba, diretor de Comunicação da Uber no Brasil, esclarece que ele não existe. “Os motoristas parceiros têm perfis muito distintos e são totalmente autônomos e livres para exercer suas atividades da forma como melhor lhes convier, onde, quando e como quiserem”, garante. “Nos orgulhamos de ser uma plataforma inclusiva, que permite às pessoas apertar um botão e encontrar uma forma digna e acessível de gerar renda — integral ou complementar, algo importante principalmente em momentos de instabilidade econômica —, independentemente de gênero, classe social ou idade. Alguns escolhem trabalhar apenas em alguns dias da semana, outros por períodos específicos. Eles têm o poder de tomar a decisão que funcione melhor para o estilo de vida deles”, confirma.
Avanço desenfreado
O crescimento da empresa de tecnologia norte-americana lançada em 2010 é um verdadeiro fenômeno. Mundialmente, a ferramenta completou 1 bilhão de viagens em 24 de dezembro de 2015 e, menos de seis meses depois, em 16 de junho de 2016, alcançou a marca de 2 bilhões. A Uber não informa quantos condutores e passageiros existem no DF, mas revela que o número de viagens fora do Plano Piloto está em amplo crescimento (saiba mais no gráfico Fenômeno Uber, na página 4). Entre os problemas que podem ser gerados se a expansão não for feita com cuidado está o fato de que, com muitos motoristas, existe a chance de os rendimentos dos condutores caírem, pois haveria gente demais para atender o público. De acordo com Fabio Sabba, diretor de Comunicação da Uber no Brasil, porém, isso não se confirma. “Mesmo em cidades onde a Uber está há muito tempo, ainda não se viu saturação do mercado.”
O crescimento sem freios também gera outros questionamentos.“O agigantamento da Uber prejudica a imagem da empresa, porque ela está crescendo sem planejamento. O nível está caindo, porque muita gente começou a dirigir pela rede sem preparo”, afirma Norberto Chadad, CEO da Thomas Case & Associados e da Fit RH Consulting. “Situações de violência — cometidas por motoristas contra passageiros e vice-versa — arranham a imagem da Uber. Elas aumentaram depois que o app passou a permitir a compra em dinheiro. Para o consumidor, é uma facilidade, mas quem dirige fica mais sujeito a assaltos. É algo que deve ser reavaliado”, acredita Norberto Chadad. Fabio Sabba, da Uber, pondera que a mudança tem um objetivo. “Desde que isso começou, milhares de pessoas puderam usar o app pela primeira vez. Democratizar o acesso é fundamental”, afirma. Sabba garante que esforços têm sido feitos para aumentar a segurança da plataforma e “lamenta que motoristas sejam alvo” da criminalidade (saiba mais em Três perguntas para).
“Gosto de dirigir e conversar com os passageiros” Deuselina Silva Neiva, 47 anos Tempo de atividade: um ano Categoria: Uber Black Escolaridade: ensino médio
Conhecida como Deusa, ela sempre gostou de dirigir e encontrou na Uber o impulso que faltava para voltar a trabalhar. Deusa foi dona de uma papelaria, mas precisou interromper as atividades quando o marido ficou doente. “Fiquei em casa para cuidar dele, que faleceu há sete anos”, conta. A viúva viveu exclusivamente de pensão e, depois que as três filhas se casaram e se mudaram, cansou de ser só dona de casa. “Eu não tinha nada para fazer, então a Uber caiu como uma luva. Curto bastante: eu faço meus horários e me gerencio”, revela ela, que dirige um Sentra preto.
Deusa tinha o carro, a única mudança para começar a atuar pelo aplicativo foi tirar uma carteira de motorista profissional. “Eu me divirto, principalmente, com o público noturno. São jovens extrovertidos”, diz. “Já teve gente que estranhou o fato de encontrar uma motorista, mas quem anda comigo elogia, dizendo que, por eu ser mulher, a direção é mais cuidadosa e o carro, mais cheiroso. Também falam bem da minha simpatia, dizem que sou alto-astral”, relata. Entre as mordomias que Deusa oferece aos clientes estão garrafinhas de água 330ml, bombons e balinhas. No entanto, ela acredita que o mais importante no trato com o cliente é a educação. “O público em geral reclama da cordialidade dos taxistas e aprova o fato de os motoristas da Uber serem mais compreensivos. Dependendo do tom, um simples ‘bom dia’ muda a entrada no carro”, percebe.
Na hora de conversar, ela sonda a disposição do passageiro. “Se a pessoa não está para papo, respeito”, garante. “A meta financeira que estipulei para mim mesma é ganhar de R$ 1.300 a R$ 1.500 por semana. Aí, trabalho para valer, chegando a mais de 50 horas semanais”, diz. Deusa conseguiu cumprir a meta financeira até dezembro de 2016. “Em janeiro, o movimento foi fraco”, conta. Com a renda extra, ela investe no que gosta. “Adoro viajar, e a Uber vem me ajudando muito nisso. Depois que comecei a dirigir pelo aplicativo, passei um tempo em Maceió e na Bahia e, no próximo carnaval, vou para a Bahia de novo. Meus netos vão comigo e adoram”, diz.
Em geral, Deusa não sofre com a falta de passageiros. “Depois de 10 ou 20 minutos, aparecem passageiros.” A maior parte das corridas realizadas pela moradora de Santa Maria é no Plano Piloto. “A Uber Black quase não é chamada nas cidades satélites.” Ela percebe que a ocupação se tornou mais perigosa depois que o aplicativo passou a aceitar pagamentos em dinheiro. “Já tive dois amigos que foram assaltados e eu só não fui porque disparei com o carro antes de os marginais entrarem.” Ela acredita que a Uber deveria passar a ser mais rigorosa no cadastro de usuários.
Depois de fechar um escritório imobiliário, Saulo foi estagiário numa empresa de engenharia. “Como a bolsa era baixa, acabei indo trabalhar com Uber”, conta. “Trabalho umas 12 horas por dia. Nos melhores meses, tirando o custo da gasolina, ganhei de R$ 2.000 a R$ 4.000. Agora, fica entre R$ 800 e R$ 1.200. O movimento está fraco. Cheguei a trabalhar 13 horas e ganhar só R$ 50”, diz. Apesar de o período de férias impactar o serviço, Saulo acredita que a queda no faturamento se deve, principalmente, às mudanças nos preços nas cidades satélites.
“A Uber implementou promoções em regiões como Ceilândia, Samambaia, Taguatinga, Riacho Fundo e Águas Claras — e essa última nem é de baixa renda. Um novo preço começa a valer, e nós não somos consultados”, reclama. Casado e morador de Águas Claras, ele relata que, no início, deu para pagar as contas com os rendimentos do aplicativo, mas, hoje, não é mais possível. “Uber não é vida. É uma saída para quem tem um carro e urgência em ganhar dinheiro.”
Outras críticas à plataforma se relacionam às alterações na forma de pagamento — desde que a opção em dinheiro foi implementada, ele percebe que se tornou mais perigoso dirigir por aí — e aos pré-requisitos para se tornar motorista do aplicativo. “Quando entrei, a empresa era rigorosa, fazia vistoria do carro, pedia nada consta. Hoje, não tem mais isso nem treinamento. Estão aceitando qualquer um, e a qualidade caiu”, avalia.
O que mais o incomoda é a falta de diálogo. “A empresa alega que tem uma parceria com o motorista, mas não vejo isso. Ou você aceita as condições do aplicativo ou vai embora. E não importa, porque haverá outras pessoas interessadas. Não existe nenhuma comunicação”, relata ele que, com outros motoristas, está tentando montar uma associação da categoria no DF.
Consumo moderno
A solução tecnológica chegou ao mercado causando alvoroço —por parte de quem encontrou no app uma opção mais acessível de transporte individual  — e polêmica, principalmente por causa das reações contrárias de taxistas. Na opinião de Fabio Sabba, da Uber, o aplicativo criou um mercado. “Pesquisas confirmam que as pessoas deixam seus carros em casa para usar esse serviço. Para encarar o desafio da mobilidade nas cidades, é preciso oferecer uma gama cada vez mais ampla de  opções”, diz. Segundo Claudia Bittencourt, do Grupo Bittencourt, não adianta barrar mudanças do tipo.
“É um processo sem volta. A tecnologia está aí: quem souber se encaixar, usufruir dela e mudar os rumos de sua empresa ou profissão a partir disso tem mais chances de sucesso”, avisa. “Muitas pessoas deixaram de usar o táxi pelo preço e pela comodidade da Uber, e empresas do ramo reagiram, adotando aplicativos, baixando o preço, investindo num melhor atendimento. O caminho para continuar no mercado é se adaptar às mudanças e não impedi-las”, pondera.
Claudia Bittencourt observa que a economia colaborativa, viabilizada pela tecnologia, transforma as formas de consumo que passam a ser mais focadas no acesso do que na aquisição. “A velocidade disso pode acabar ou reduzir o mercado de um produto ou serviço de um dia para o outro na medida que cria outros”, observa. Entre as consequências das evoluções digitais, segundo Claudia Bittencourt, estão alterações no mundo das profissões. “Carreiras do passado estão desaparecendo e outras possibilidades de renda surgem, como a função de motorista da Uber”, diz.
Fonte: Correio Braziliense
Leia mais notícias no Portal, clicando aqui.