Entre os dias 10 e 13 de janeiro foi realizada a 99ª Convenção Anual da National Retail Federation (NRF), em Nova York. Trata-se do principal evento de varejo nos Estados Unidos e um dos mais relevantes do mundo. A partir dele, é possível consolidar algumas conclusões sobre o momento do varejo norte-americano e captar tendências para o desenvolvimento dos negócios.
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Sustentabilidade – o tema da sustentabilidade “ampliada” – que engloba questões ligadas a meio-ambiente, saúde, preocupação social e cidadania – entrou definitivamente na pauta estratégica do varejo. O assunto ganha espaço não só pela sensibilidade ao tema ou pelo ganho de imagem que a empresa e suas marcas podem auferir; mas principalmente porque faz sentido economicamente. Sustentabilidade, bem praticada, permite reduzir desperdícios e perdas, diminuir custos e gerar receitas adicionais; além disso, aproxima e engaja clientes, fornecedores e colaboradores.
A McMillan Doolittle, empresa americana de consultoria e membro do grupo Ebeltoft, do qual a GS&MD – Gouvêa de Souza também faz parte, realiza há três anos uma pesquisa nos Estados Unidos com consumidores para medir o impacto da sustentabilidade no consumo e na relação com o varejo. Os dados de 2009 foram consistentes com os de 2008 e 2007. Sessenta por cento dos entrevistados compraram pelo menos um produto com atributos de sustentabilidade ambiental; 68% dos consumidores consideram frequentemente ou ocasionalmente a compra de produtos verdes; mas 70% não aceitam pagar mais por isso. De outro lado, o percentual de consumidores que optou por lojas que tivessem produtos e operações mais amigáveis ao meio ambiente passou de 39% em 2008 para 45% em 2009. Ou seja, o tema está se tornando mais sensível e já começa a discriminar as escolhas.
A Best Buy, principal varejista especializada em eletroeletrônicos e informática dos Estados Unidos, já possui há anos atuação voltada à sustentabilidade. Dentre suas frentes, há o programa “a loja pega de volta” (“In store take back”), que transformou a empresa no maior coletor de lixo eletrônico do país, com mais de 11.300 toneladas de produtos eletrônicos recolhidos. Televisores com mais de 32 polegadas são retirados gratuitamente se houver entrega de uma nova, ou mediante cobrança de US$ 100. Há uma taxa de US$ 10, convertida em gift card para compras na loja, o que gera tráfego e vendas adicionais. A empresa também audita as fábricas de seus fornecedores, para assegurar que não haja exploração de trabalhadores e processos poluentes nos produtos que vende.
O grande nome da sustentabilidade no varejo é o Walmart. A causa permitiu o reposicionamento da marca, conciliou sua proposta de valor racional com elementos emocionais e reduziu drasticamente a rejeição à empresa. O pragmatismo e perseverança que o Walmart demonstra são lições para outras empresas de varejo.
O programa do Walmart teve início em 2005 e foi estruturado a partir de três megametas (a visão): alcançar 100% de uso de energia renovável; zerar resíduos; vender produtos que ajudem pessoas e o ambiente. A execução se dá com o que é definido como “abordagem 360º”, porque envolve operações, fornecedores, consumidores e colaboradores.
A colaboração com fornecedores vem gerando resultados tangíveis: por exemplo, 33% de redução no consumo de energia de TVs; e 100% dos produtos disponíveis no sortimento das lojas certificados com o selo Energy Star. A empresa criou o Índice de Sustentabilidade, que analisa o ciclo de vida dos produtos para medir o impacto ambiental de matérias-primas, processo de fabricação, distribuição, consumo e descarte. O índice avalia questões como fontes renováveis, nível de poluição no processo de fabricação, consumo de energia e grau de reciclagem. Por meio de check-list padronizado de 15 questões, os fornecedores são avaliados e ranqueados em relação à sustentabilidade sócio-ambiental.
A escala da operação do Walmart faz com que pequenas ações gerem grande impacto. Por exemplo, a empresa alcançou US$ 200 milhões em economia anual de combustíveis por aumento de eficiência na gestão de sua frota de veículos; até mesmo medidas banais, como desligar as luzes de vending machines de lojas, podem gerar economias de US$ 1,4 milhão por ano. O aprendizado do Walmart está no foco, mensuração, análise de retorno de suas ações e envolvimento de toda a cadeia de valor na causa, que ajuda o planeta, melhora a imagem da marca e é contribui para os resultados da empresa.
A britânica Marks & Spencer, tradicional rede de lojas de departamentos, lançou em 2007 um ambicioso programa, batizado como “Plano A” (Plan A). Ele se constitui em 100 compromissos a serem alcançados em prazo de cinco anos, integrando fornecedores e clientes para atenuar as mudanças climáticas, reduzir resíduos, usar matérias primas sustentáveis, comercializar produtos éticos e ajudar seus clientes a desenvolver estilos de vida mais saudáveis. O nome do programa foi feito para enfatizar que não há um “Plano B” e que a orientação é irreversível.
No Brasil, as iniciativas progridem de maneira tímida, embrionária e frequentemente desestruturada. São exceções as empresas que encaram o assunto com planejamento, comprometimento e pragmatismo. Casos como o do Grupo Pão de Açúcar, comprometido com a sustentabilidade antes que o termo existisse e o assunto virasse moda. Recentemente, após a abertura de uma loja piloto “verde” em Indaiatuba (interior de São Paulo), trouxe o conceito para a capital do Estado. Mais importante que abrir lojas “verdes” é o aprendizado e a multiplicação de soluções que reduzem o impacto ambiental de construção e operação das lojas, consequentemente reduzindo desperdícios e custos. A loja de Indaiatuba foi o primeiro supermercado da América Latina a receber a certificação internacional LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), que prevê normas construtivas e procedimentos que aumentam a eficiência no uso de recursos e diminuição do impacto sócio-ambiental no processo da edificação. A expectativa de economia possível é de 30% em energia, 35% em emissões de carbono, 30% a 50% de água e de até 90% no descarte de resíduos.
O principal cuidado deve ser com a consistência entre discurso, valores e prática. Nos Estados Unidos já se usa o termo “lavagem verde” (“green wash”), para designar empresas que enganam consumidores em relação a práticas ambientais e benefícios de um produto ou serviço. O efeito é contrário ao desejado e a sensibilidade dos consumidores não deve ser subestimada em ações oportunistas motivadas por modismo.
Pode-se concluir que a implantação de programas de sustentabilidade no varejo pressupõe alguns elementos: ter metas e métricas claras e compartilhadas em todos os níveis da empresa e seus fornecedores; contar com o comprometimento da cúpula – o processo vem de cima; praticar o que se prega e ter consistência nas ações; e avaliar impacto e retorno econômico das frentes de ação. Sustentabilidade caminha junto com lucratividade. Negócios sem rentabilidade não são sustentáveis.
No futuro não haverá lojas “verdes”, pois todas elas serão. O aprendizado e a disseminação de boas práticas tornarão as questões ambientais, trabalhistas e de relação com a comunidade commodities entre as empresas de varejo. E o planeta agradecerá.
*Alberto Serrentino é sócio-sênior da GS&MD – Gouvêa de Souza
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