Grupo Bittencourt
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Como funciona o treinamento da rede no Burger King?

Inexperiência dos treinadores na operação e juniorização dos coaches não agradam à rede nos EUA. O 3G tem desafio de revitalizar seu modelo de negócio de fast-food, com o qual a companhia já teve algumas dificuldades.

Tática de treinamento da 3G não empolga franqueados do Burger King.
Há um ano, Wayne Burke, um franqueado que opera 93 lojas do Burger Kings no sul da Califórnia, estava frustrado com o número de pessoas da matriz que aparecia nos seus restaurantes.

Burke estava lidando com até dez treinadores de campo, ou “coaches”, que ensinam às franquias do Burger King desde estratégias para cortar custos até técnicas de culinária. Depois que Burke se queixou, o Burger King Worldwide Inc. concordou em designar apenas dois treinadores para as operações dele.

“Estamos vendo uma melhora nas vendas porque uma única mensagem está sendo passada para todos”, diz Burke.
O Burger King Worldwide Inc. tem em torno de 145 desses treinadores para auxiliar seus mais de 7.100 restaurantes nos Estados Unidos, a maior parte deles franquias.
O sistema de treinamento está no centro das iniciativas dos donos brasileiros do Burger King para revitalizar seu modelo de negócio de fast-food – com o qual a companhia já teve algumas dificuldades. Enquanto alguns franqueados elogiam o sistema, outros dizem que sua qualidade varia e que alguns treinadores são muito jovens e sem experiência.

Segundo franqueados atuais e antigos, antes de a 3G Capital – firma de private equity do trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – comprar o Burger King, em 2010, os executivos que os ajudavam eram geralmente veteranos que abordavam detalhes como quantos empregados deveriam trabalhar nos períodos do café da manhã, almoço e jantar e se os funcionários estavam acrescentando condimentos demais aos hambúrgueres. Esses “gerentes de negócios de franquias” também faziam avaliações financeiras anuais criteriosas para determinar onde cada franqueado poderia economizar dinheiro.

O Burger King adotou o programa de treinamento um ano depois de ter sido adquirido pela 3G. A meta é trabalhar mais diretamente com os gerentes dos restaurantes em vez dos proprietários das franquias, além de monitorar melhor itens como rapidez do serviço e limpeza.

O Burger King já reformulou o sistema de treinamento várias vezes. A rede mais que dobrou o número de treinadores de campo, tornando cada um responsável por cerca de 50 restaurantes, comparado com 90 antes. Os restaurantes agora recebem visitas trimestrais, não mais semestrais. Além disso, o Burger King terceirizou algumas responsabilidades de inspeção para que os treinadores possam se concentrar em ajudar os gerentes dos restaurantes.

Ainda assim, apenas 36% das franquias do Burger King avaliam o conhecimento e capacidade de seus treinadores como “bons”, “muito bons” ou “excelentes”, enquanto 35% os avaliam como “ruins” e 29% como “médios”, segundo uma pesquisa com mais de 300 proprietários de franquias do Burger King nos EUA realizada em fevereiro por uma consultoria a pedido da Associação Nacional de Franquias do país.

“É difícil agradar a todos”, diz Alex Macedo, presidente do Burger King para a América do Norte. O executivo de 37 anos diz que a combinação de treinadores veteranos com recém-contratados, alguns oriundos das melhores universidades, cria um “bom equilíbrio entre experiência e sangue novo, que é a mesma coisa que temos feito em toda a empresa”.
Os treinadores ensinam aos restaurantes técnicas para reduzir custos, como preparar salsichas na mesma grelha dos hambúrgueres para economizar óleo de fritura. No ano passado, um treinador ganhou um carro por ter concebido uma forma mais eficiente de imprimir os recibos que os funcionários seguem para atender os pedidos. Outro treinador propôs uma mudança no formato dos saleiros para garantir a quantidade correta de sal nas batatas fritas.

Antigos funcionários tiveram que se recandidatar para se tornar treinadores e muitos foram substituídos por novos contratados, de acordo com a empresa. Os treinadores devem ter de um a três anos de experiência em fast-food ou varejo, embora alguns tenham sido contratados logo após concluir o curso de administração – uma receptividade à juventude que não surpreende numa empresa cujo diretor-presidente, Daniel Schwartz, tem 34 anos.

Neste ano, os treinadores começaram a dar aulas de “vendas adicionais” aos caixas dos restaurantes. Burke, o franqueador da Califórnia, instalou recentemente máquinas automáticas de Icee, bebida que é uma espécie de raspadinha, em seus restaurantes e quis ter certeza que vendia o suficiente para pagar o custo do equipamento. Seus treinadores ajudaram os caixas a detectar o melhor momento e como encorajar mais os clientes a comprar um Icee com suas refeições.

O Burger King, que tem sede em Miami, vendeu quase todos os seus restaurantes e hoje tem apenas 52 unidades próprias nos EUA e Canadá. O treinamento é um serviço proporcionado aos franqueados em troca das centenas de milhões de dólares por ano que a empresa recebe deles e é, também, um instrumento de controle de qualidade.

Ajustar o sistema de franquias ganhou mais importância depois que o Burger King investiu US$ 11 bilhões na aquisição da Tim Hortons Inc., uma rede canadense de fast-food cujos 4.500 restaurantes ao redor do mundo são quase todos franquias. Os executivos do Burger King dizem que ainda estão avaliando se usarão seu sistema de treinamento na Tim Hortons.
Ser puramente franqueador é muito mais lucrativo do que administrar restaurantes. Entre 2011 e 2013, a receita que o Burger King produziu com restaurantes próprios caiu 86%, para US$ 222,7 milhões, já que a empresa vendeu mais de 1.200 unidades para franqueados.

A margem operacional da companhia no mesmo período subiu de 15% para 46%.
As franquias, porém, põem em risco o controle da experiência do cliente, que, afinal, é o alicerce da marca. “Só porque um franqueador não opera nenhum restaurante, isso não os livra da responsabilidade”, diz John Gordon, fundador da Pacific Management Consulting Group, uma consultoria de restaurantes. “Eles são responsáveis por dar direção à marca.”

Steve Johnson, que administrou 19 restaurantes do Burger King para um fraqueado em Honolulu até sair do negócio, no ano passado, diz que o treinador com quem trabalhou “era jovem e recém-saído da universidade […] Ele era excelente para nos ajudar a lançar novos produtos e treinar nossos gerentes, mas não tinha nenhuma experiência com restaurantes”.
Os treinadores do Burger King não agradaram Dennis Kessler, que foi franqueado da marca por 38 anos e em agosto vendeu seus 21 restaurantes no Estado de Nova York, depois de vários anos de queda de margens e crescimento nulo nas vendas.

Kessler, um professor da Faculdade de Administração Simon, da Universidade de Rochester, diz que as visitas dos gerentes regionais do Burger King costumavam envolver discussões profundas sobre detalhes como a quantidade de óleo correta para as fritadeiras. “Esse é o tipo de feedback […] que eu espero de alguém da empresa numa posição de supervisão”, diz.

Ele se lembra de ter ficado decepcionado quando um executivo recém-saído de um MBA visitou um de seus restaurantes, logo depois que a 3G Capital assumiu o comando do Burger King. Quando Kessler perguntou o que achava da operação, ele respondeu, “Você está muito bem”, e não fez nenhuma pergunta, segundo Kessler.
“Minha saída do Burger King tem tudo a ver com o modelo de negócios deles”, diz.

A empresa afirmou, neste mês, que vai criar um novo nível com 20 dos seus treinadores mais veteranos, que serão responsáveis por supervisionar outros seis ou sete profissionais menos experientes. Ela informou ainda que está elevando de três para cinco anos o mínimo de experiência que recém-contratados devem ter em fast-food ou varejo.

Fonte: The Wall Street Journal