Em documento que tira dúvidas e mostra os principais desafios na colaboração, Fórum Econômico Mundial defende a derrubada de barreiras culturais para diferentes modelos empresariais crescerem juntos
mundo dos negócios foi invadido pelas startups. Essas empresas pequenas, baseadas na tecnologia e com uma cultura de alto risco e experimentação constante apontam para um mundo de conceito de inovação em que muitas soluções falham, mas as que funcionam tendem a mudar radicalmente a vida das pessoas.
Esse mesmo mundo, entretanto, não vive só de tecnologia. E embora seja um interesse geral promover a inovação, companhias de setores tradicionais precisam conciliar essa agenda com seus processos internos, complexas cadeias de suprimentos e cada vez mais canais de distribuição, com grandes estruturas físicas.
Casos anunciados recentemente no Brasil como o do BTG Pactual e da operadora logística Tegma, que abriram seus próprios laboratórios de inovação, são só duas das várias tentativas de unir esses dois mundos para promover, ao mesmo tempo, inovação e crescimento financeiro.
Mas quão difícil é fazer isso, e como superar as barreiras pelo caminho? Essa é a questão abordada pelo Fórum Econômico Mundial em seu white paper “Startups e corporações: um guia prático para o entendimento mútuo”, que foi desenhado para incentivar essas parcerias no ambiente econômico europeu, onde elas ainda engatinham em relação aos Estados Unidos ou a Ásia. As lições presentes, entretanto, valem para negócios de qualquer região — clique aqui para ver o documento completo.
O Fórum consulta empresários de ambos os lados e analisa os principais modelos de colaboração utilizados hoje, apontando como startups e grandes empresas podem se beneficiar desse processo. E alerta para o fato de que, para que a relação de fato funcione, é preciso que todos estejam totalmente engajados na iniciativa.
“Trabalhar conjuntamente traz várias potenciais armadilhas. CEOs de startups muitas vezes se encontram falando não com o CEO da corporação, mas com empregados bem abaixo dele na hierarquia. E também há um choque de culturas: o método ágil contra processos de trabalho, muitas éticas diferentes e apetites distintos pelo risco”, listam os especialistas.
Os benefícios obtidos, porém, são amplos para os dois lados. No caso das startups, são citados o financiamento e receita garantidos, sem necessidade de procurar investidores externos a todo momento; um ambiente de testes com clientes – a própria corporação e eventuais subsidiárias – que mostrem as melhoras necessárias, e a própria mentoria e conhecimento de mercado que a convivência com empresas líderes de mercado pode trazer.
Já para as grandes empresa, a internalização de processos inovadores é a vantagem óbvia, mas não a única. A redução da burocracia interna, o foco no serviço para o cliente e uma cultura mais ágil também tendem a tornar o negócio mais saudável e preparado para o mundo 4.0.
Se a integração fosse fácil, entretanto, o documento do Fórum Econômico Mundial nem seria necessário. Prioridades diferentes em cada um dos lados e falta de engajamento na parceria podem fazer, por exemplo, com que uma startup perca tempo e a chance de obter investimentos em outro lugar, ou que uma corporação gaste dinheiro à toa em um processo infrutífero.
“Às vezes sinto que estou testemunhando uma forma de ‘turismo da inovação’. Corporações contratam incubadoras para agendar visitas a startups antes mesmo de estabelecer um objetivo concreto para a possível parceria”, relata Ferdinand Grapperhaus Jr, CEO da Physee, empresa holandesa de revestimentos e fachadas para edifícios que tem um laboratório de inovação dentro de sua própria estrutura.
Por outro lado, as startups que conseguem acesso a uma grande corporação podem sentir dificuldades em encontrar, lá dentro, uma forma de se adequar aos processos em que consiga de fato implementar suas soluções inovadoras. “As corporações têm suas grandes estruturas internas, então startups acabam não falando com o todo, mas sim com uma de suas unidades. E o sucesso da interação pode depender muito da escolha de componentes que sejam mais apropriados para determinada startup”, diz a cofundadora da IoT Tribe, Tanya Suarez.
Assim, o Fórum Econômico Mundial divide os desafios entre os dois lados da colaboração. Para as startups, os principais são:
Duração do ciclo de vendas: este tende a ser conflitante com o da corporação, que trabalha nos ciclos trimestrais, enquanto a startup tem necessidade de receita praticamente imediata.
Penetração nas unidades de negócio da empresa: a concorrência interna, com departamentos de inovação e gerentes de área que não querem priorizar as startups, pode ser um problema. “Startups precisam conseguir navegar pelo labirinto da organização corporativa, sabendo quem são as pessoas certas para exercer o processo de colaboração.”
Definição de escopo de produto: “Estabelecer uma parceria com uma grande corporação demanda mais do que ter uma solução padrão para programas gerais. Cabe atender exigências customizadas que investidores de diferentes níveis podem ter”, diz o Fórum. Este é um desafio que resulta da boa resolução do anterior: encontrando o lugar certo dentro da corporação, fica mais fácil alinhar as especificidades técnicas que precisam ser atendidas pelo processo de inovação.
Já para as corporações, as principais barreiras a serem derrubadas são:
Recusa à inovação: a já citada concorrência interna pode fazer com que as empresas descartem as inovações trazidas por startups. Quando a parceria não é bem planejada, o departamento de inovação pode passar por cima da pequena empresa e colocar em risco a parceria. “Desenvolvemos um novo sistema de autenticação online. O serviço foi testado pelo time de segurança e não houve problemas. Uma vez que foi espalhado dentro da empresa, foi praticamente impossível conseguir que qualquer outra unidade se engajasse e o internalizasse, ainda que houvesse benefícios comerciais óbvios”, conta um dos empreendedores que contribuiu com o levantamento do Fórum Econômico Mundial, que preferiu não se identificar.
Controlar expectativas de acionistas: afinal, eles não são apenas uma parte interessada, mas os próprios financiadores das grandes empresas, e que têm, muitas vezes, prioridades muito diferentes das que são estabelecidas na colaboração. Equilibrar expectativa entre ganhos a curto e longo prazo é a chave aqui.
Exposição ao risco: corporações, diferentemente de startups, costumam ser bastante avessas ao risco e evitam a todo custo falhar. E, se acontecem os fracassos, poucas vezes eles são utilizados para melhorar processos. Na relação com as startups, é preciso ter um novo olhar sobre o sucesso e repensar a cultura interna, o que pode ajudar a parceira, defende o Fórum.
Mas não é porque a startup e a grande corporação funcionam em ritmos diferentes que elas não possam se entender de forma proveitosa para ambos os lados. O importante, diz o Fórum, é que cada lado esteja ciente dos riscos envolvidos, e tenha um bom plano de preparação.
“O entendimento mútuo depende de cada lado apreciar os riscos e as diferenças que surgem ao embarcar na colaboração. Startups têm que lidar com o risco de ficar sem dinheiro devido a processos corporativos mais demorados, enquanto as grandes empresas estão sujeitas a danos de reputação e às marcas. É uma questão de alinhar expectativas.”
Fonte: Época Negócios