Quando o primeiro ponto de venda do McDonald’s em Pequim foi inaugurado perto da Praça Tiananmen em 1993, cerca de 40 mil pessoas fizeram fila em volta do quarteirão para fazerem seus pedidos, um sinal do voraz apetite do país por fast food que levaria a China a tornar-se seu terceiro maior mercado em número de pontos de venda, abaixo apenas dos EUA e do Japão.
Mas um quarto de século depois, os Arcos Dourados perderam um pouco de seu brilho aos olhos dos consumidores chineses e, em meio a quedas nas vendas, o McDonald’s vendeu, na segunda-feira, o controle de 2,7 mil lanchonetes na China para um consórcio liderado por um investidor estatal, a CITIC. O negócio, envolvendo US$ 2,1 bilhões, acontece na esteira do desmembramento, em outubro, pela Yum Brands, proprietária da KFC, de suas operações chinesas muito maiores.
Embora ambos os grupos devam continuar a receber royalties das vendas na China, analistas dizem que a cessão do controle dos ativos e a delegação das decisões a administrações locais permitirão que as marcas se expandam mais rapidamente e se “aculturem” com mais agilidade em um mercado crucial.
Mas ambas as novas unidades terão dificuldades para melhorar a imagem das redes americanas. Se antes elas eram vistas como uma opção exótica e “descolada” para encontros de casais, reuniões de negócios e até mesmo casamentos, hoje são cada vez mais consideradas como “sem graça”. O faturamento das duas companhias também foi impactado após escândalos sobre carne fora do prazo de validade, em 2014, ao passo que aplicativos de pedidos passaram a estimular maior concorrência por entregas em domicílio.
“A China deixou para trás a febre por fast food americana”, diz Junheng Li, fundador e presidente da JL Warren Capital, empresa de pesquisas de ações baseada em Nova York.
A participação de mercado da KFC caiu para 3,6% em 2015, de 6,4% em 2012, de acordo com a Euromonitor, tendo as vendas em mesmas lojas declinado em termos absolutos. O McDonald’s não contabiliza separadamente suas receitas na China, mas disse que as vendas, exclusive efeitos de expansão e aquisição, caíram quase 2% no terceiro trimestre.
A China tornou-se crucial para ambas as marcas, especialmente para a Yum, cujos 7,2 mil pontos de venda KFC e Pizza Hut geraram US$ 6,9 bilhões em 2015 – o mais alto em quaisquer regiões. A KFC era considerada um modelo de gestão no exterior, adaptada aos gostos locais, incluindo mingau e arroz ao seu menu.
O McDonald’s China, na qual duas afiliadas da CITIC terão uma participação de 52%, e o Carlyle Group, uma holding privada de investimentos americana, com 28%, deverão apoiar planos de abertura de 1,5 mil pontos de venda do McDonald’s nos próximos cinco anos, principalmente em cidades menores.
Nesses locais “o mercado ainda está crescendo a um ritmo acelerado e os estabelecimentos ocidentais ainda são muito respeitados”, diz Kamel Mellahi, da Warwick Business School, acrescentando que “o modelo de franquia permitirá ao McDonald’s aculturar seus produtos na China”.
Mas, diz Mellahi, “[o modelo de] franquia traz suas próprias dificuldades, como escassez de talentos e habilidades gerenciais em cidades de terceiro e quarto níveis e, acima de tudo, perda de controle”.
Fundada em 1979 e mais conhecida por investimentos nos setores imobiliário e de recursos naturais, a CITIC é rica e tem conexões políticas impecáveis, mas não tem experiência no gerenciamento de restaurantes. Ela foi atraída pelo McDonald’s devido à oportunidade de abocanhar uma fatia de uma das marcas empresariais americanas mais emblemáticas, de acordo com fontes.
Sob os termos do acordo de franquia do McDonald’s por 20 anos, os novos proprietários ficam impedidos de promover mudanças na gestão ou de fornecedores por dois anos, ou de abandonar a parceria mediante uma oferta pública. O “Financial Times” informou no mês passado que compradores em potencial, entre eles a Bain Capital e sua parceira chinesa, desistiram do leilão por discordarem dos termos.
O McDonald’s receberá pagamentos de royalties das futuras operações na China mais elevados do que os 3% das vendas que a Yum recebe de sua unidade desmembrada na China, cujas ações foram lançadas na Bolsa de Valores de Nova York em outubro..
A Yum vendeu uma fatia de US$ 460 milhões na unidade chinesa para a Primavera, uma empresa de investimento em participações focada na China fundada por um ex-executivo do Goldman Sachs e braço financeiro da Alibaba, gigante chinês da internet, antes do lançamento de ações. A empresa disse à época que os recursos provenientes da venda poderiam financiar um plano para quase triplicar, para 20 mil, o número de suas lanchonetes na China.
“Ambas estão se concentrando em franchising, que é um modelo mais lucrativo”, diz Jeffrey Towson, professor de negócios da Universidade de Pequim. Mas ele compara o modelo de private equity do McDonald’s, que permite expansão financiada por dívida, com a “Yum China dirigindo um sedã [enquanto], o McDonald’s acaba de fazer um upgrade para uma Ferrari”.
Um dos desafios enfrentados pelas duas marcas é o surgimento de aplicativos móveis por meio dos quais os consumidores podem encomendar a entrega de alimentos escolhendo de uma grande variedade de restaurantes. Grupos como Ele.ma e Meituan “estão fazendo, no setor de alimentos, o que as varejistas online Alibaba e JD fizeram no varejo de “tijolo e cimento”, diz Shaun Rein, diretor-gerente da China Market Research Group, com sede em Xangai. “O McDonald’s era conhecido como rápido, barato e prático, mas agora a Ele.ma tornou-se mais rápida, barata e prática”.
As vendas da Yum na China voltaram a crescer no ano passado, mesmo antes do desmembramento, depois que a nova administração cortou o número de alimentos oferecidos e renovou as lojas para dar-lhes um ar mais sofisticado. Na segunda-feira, [a Yum] abriu o único ponto de venda Taco Bell do país, no distrito financeiro de Xangai. Decorado em um estilo “inspirado na Califórnia” com pranchas de surf suspensas do teto, a unidade vende camarão e burritos de abacate, que a empresa diz serem “exclusivos das lanchonetes Taco Bell na China”. (Tradução de Sérgio Blum)
Fonte: Valor
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