Por outro lado, Altino Cristofoletti Junior, presidente da Associação Brasileira de Franchising, avisa: quem quiser ganhar dinheiro precisa rejuvenescer
Atento às revoluções que a tecnologia está provocando em todos os mercados, o presidente da ABF (Associação Brasileira de Franchising), Altino Cristofoletti Junior, dá um recado à queima-roupa ao setor: quem quiser ganhar dinheiro precisa rejuvenescer. Para ele, isso passa, claro, pela contratação de nativos digitais.
Mas o caminho da renovação também inclui ter uma mentalidade aberta aos novos padrões de comportamento da sociedade e ao jeito de franqueados e franqueadores se relacionarem.
Abrir um negócio para deixar como herança para os filhos, por exemplo, pode não ter mais sentido.
Cristofoletti tem 57 anos e é cofundador da rede de aluguel de equipamentos Casa do Construtor. Desde o início de 2017, é presidente da ABF. É casado, tem três filhos e, nas horas vagas, cuida das aves no seu sítio, próximo a Rio Claro, no interior paulista.
Nesta entrevista, concedida na sede da ABF, em São Paulo, ele traça um panorama do presente e fala sobre o futuro do franchising brasileiro.
O que podemos esperar para o franchising em 2018?
Estamos bastante otimistas. O índice de confiança melhorou porque o econômico está se descolando do político. Tanto é que os índices macroeconômicos estão melhorando, e a política continua com os mesmos problemas. A taxa de juros caiu. Isso faz com que o dinheiro que está aplicado venha para a economia real. Em 2018, devemos ter um índice de abertura de novas unidades entre 5% e 6%. O faturamento deve crescer 10% ou 11%. Com inflação baixa, isso é bastante relevante. O número de marcas vai se manter estável, mas o número médio de unidades por rede, que hoje está em 50, vai crescer. É um cenário otimista, mas pé no chão.
Ao mesmo tempo em que o número de redes se estabiliza ou cai, o número de microfranquias cresce. Em redes como essas, quem pensa em investir ainda precisa separar o joio do trigo?
Sem dúvida, e isso não vale só para marcas de baixo investimento. É lógico que, nesses tipos de franquia, há mais oportunidades e mais candidatos. A tendência é que cresçam mais rapidamente. Mas o processo está ficando mais maduro. O mercado está mais bem informado e exigente. A revolução tecnológica e a nova economia também estão criando outras oportunidades baseadas em home office. Como os ciclos de produto e serviços têm sido menores, logo vão surgir negócios mais tecnológicos, ainda que com baixo investimento para o franqueado. Por exemplo: em negócios de limpeza, os equipamentos serão mais sustentáveis, e o profissional colocará menos a mão na massa. As fintechs também poderão usar o franchising para ganhar capilaridade.
Os contratos de franquias costumam durar cinco anos. Se os ciclos devida de produtos são mais breves, os contratos precisam ser mais curtos também?
O prazo de contrato de franquia tem uma lógica. No começo da operação, o franqueado tem mais despesas do que receitas.
Depois que ele chega ao ponto de equilíbrio, começa a ter ganhos que vão recuperar o investimento inicial. Vamos supor que ele consiga repor esse valor em dois anos, dois anos e meio.
O prazo de contrato costuma ter o dobro desse tempo. Se o produto ou o serviço tem um ciclo menor, é preciso se encaixar nessa modelagem de negócios. Eventualmente, algum formato pode ter seu contrato diminuído ou aumentado em função do investimento.
Ou o investimento precisa ser mais baixo em função do ciclo mais curto.
Exatamente. Se o investimento e a recuperação são mais baixos, a renovação precisa ocorrer em um tempo menor. A lógica permanece a mesma.
Nos últimos anos, muitas redes criaram modelos de franquia mais enxutos, com investimento inicial mais baixo. Por que isso ocorreu?
Pela necessidade. Primeiro, porque os candidatos passaram a ter menos capital disponível ou preferiram gastar menos e guardar uma reserva. Segundo, porque as redes tiveram de entrar em municípios menores. Por isso, criaram modelos com uma configuração reduzida de produtos e serviços.
A interiorização levou as marcas a pensar em formatos mais viáveis naqueles pontos. E esse é um movimento natural para todo mundo.
Como está o cenário de negociação de pontos de venda?
Nos últimos anos, o custo do ponto de venda foi uma montanha-russa, seja em rua, seja em mall ou shopping. O aumento tinha uma trajetória natural, mas de repente ocorreu uma demanda enorme, que não foi acompanhada pela oferta, e os pontos foram para valores exorbitantes, fora da realidade. Criou-se uma bolha.
Com a crise, os lojistas foram entregando os pontos e a demanda caiu. Essa sanfona ocorreu num período bem pequeno e fez com que surgissem outras oportunidades. Por exemplo, os pontos em condomínios, hospitais e escolas. Estádios, aeroportos e supermercados viraram opções. Então, agora, eu acredito na acomodação do mercado. Quanto mais possibilidades existem, mais rico fica o sistema.
Muitos franqueadores — e franqueados também — reclamam da negociação desnivelada com os shoppings. Isso melhorou?
A necessidade fez com que houvesse uma flexibilidade maior por parte de alguns shoppings. Eu não acredito em uma regulamentação do Estado para esse tipo de negociação, mas também não dá para ter um sistema tão impositivo.
Essas outras opções de ponto comercial ajudam a criar uma negociação mais justa. O franchising também vem entendendo a importância de negociar bem antes de assinar o contrato.
Se não fechar a conta para o franqueado, o shopping, o franqueador e todos os stakeholders, a coisa não vai caminhar. O sistema tem de ser sustentável.
Como os donos de quiosques lidam com isso? O ponto do corredor em que eles ficam faz toda a diferença.
Os quiosques foram uma iniciativa das redes de franquias. Os shoppings não pensavam nisso e o franchising trouxe essa demanda. Mas agora existe um certo desequilíbrio. Os contratos de franquia para quiosques costumam ser mais curtos, de três anos. Mas os shoppings têm contratos de aluguel mais curtos ainda. Isso é um problema, porque o prazo da franquia tem de se adaptar ao período em que o franqueado vai permanecer no local. Então, o shopping precisa ter a consciência de que, do lado do franchising, existem regras de negócio. O franqueado tem um prazo de retorno e um prazo para ganhar dinheiro.
Como o uso da tecnologia, principalmente do WhatsApp, vem mudando a relação entre franqueadores e franqueados?
O aplicativo caiu no gosto do brasileiro. Ao mesmo tempo em que isso é positivo, é também complicado. As pessoas que usam o WhatsApp se sentem empoderadas para falar qualquer coisa. E a propagação é rápida. Na mesma medida em que um comentário pode aumentar as vendas, por exemplo, pode ser negativo e acabar com a reputação de uma pessoa ou de uma marca. Agora, isso é uma oportunidade para as empresas se tornarem mais efetivas na comunicação.
As redes, que vinham usando extranets e e-mails, agora têm a dinâmica mais rápida do WhatsApp.
O franqueado está ganhando mais voz dentro das redes?
Com certeza. E o franqueador precisa entender isso. Se não entender, a rede não vai parar de pé. É preciso usar a força que cada um tem, de um jeito estruturado, para agregar valor e ter diferencial competitivo.
De que maneira?
É necessário estar cada vez mais aberto, mais junto, ouvir mais. É uma relação que tem de ser construída de outra forma. Não é mais como antes.
O franqueador precisa criar comitês de franqueados e estar mais próximo do ponto de venda para entender as necessidades do cliente final. É lógico que será preciso repensar a consultoria de campo, que tem de oferecer mais consultoria e menos padronização. Também vale criar dispositivos para captar rapidamente as novas ideias do franqueado, que tem a experiência direta com o cliente. Em suma, o jogo está diferente e é preciso repensar as formas de agir.
Aqui na ABF, queremos criar um “lab” do franchising e pensar como ter mais governança corporativa nas redes, como trazer mais inovação para as marcas, aproximá-las das startups. O franchising tem desafios. Mas é uma comunidade que interage, participa, está antenada.
Alguns anos atrás, numa conversa sobre conselho de franqueados, eu ouvi um franqueador dizer: “A gente deixa os franqueados jogarem, mas tem de deixar claro que as regras são nossas”. Era uma perspectiva de dois times opostos.
Montar um conselho apenas para dizer que tem um, sem se aprofundar no que é tratado, não vai ser efetivo. Agora, é importante que os papéis permaneçam muito bem definidos. O franqueado sempre vai pensar no seu território, localmente.
O franqueador tem de pensar na rede, no todo. Esses papéis têm de ser respeitados, senão se cria uma anarquia, e não algo que cause sinergia, crescimento e resultado.
A última palavra tem de ser do franqueador. Mas ele precisa estar cada vez mais atento e ter humildade para entender as mudanças que estão acontecendo.
O conselho precisa consultar essa base e ter a atitude de dar as respostas para as necessidades do cliente. Senão, o franqueado vai ganhar menos dinheiro e o sistema não será sustentável para as duas pontas.
Quais são as principais razões de conflito entre franqueador e franqueado?
A diminuição de margem gera conflito. Também existem franqueados que são operadores, e não gestores. Hoje, é preciso ser gestor — não só de finanças, mas também de pessoas e do negócio como um todo. A comunicação é outro ponto que já citamos.
E há também questões pessoais do franqueado, como um divórcio ou a necessidade de criar sucessores. Isso não está no modelo de negócio, mas interfere no dia a dia da franquia.
Existem ainda franqueados que precisam ou querem crescer, mas a rede da qual eles fazem parte não tem uma segunda marca ou um território próximo para oferecer. Esse franqueado vai para outra rede e seu foco fica dividido. Então você vê quanta pressão tem no sistema. Tudo isso precisa ser encarado de forma madura.
Diversas redes estão adotando soluções de startups e há uma aproximação entre esses dois universos. O que as redes podem aprender com as empresas de tecnologia?
O grande aprendizado é que os ciclos serão muito mais rápidos. As startups estão preparadas para ciclos curtos de produtos e de renovação. O franchising tem de aprender isso. É claro que não pode lançar coisas que não foram testadas — é preciso tomar um cuidado grande porque tem uma marca em jogo. Mas é necessário rever a forma como se fazemos processos. A startup traz essa dinâmica lean. Se o franchising começar a fazer isso, vai ser mais um diferencial para o sistema.
E como engajar os franqueados nesse processo?
Aí está a importância de ser mais gestor. O franqueado também tem de se preocupar com isso. As mudanças na marca vão ocorrer mais rapidamente. O dono da unidade tem de dar soluções para o problema. As redes que não se adaptarem vão ficar para trás. Não tenha dúvida.
Como as franquias podem se tornar mais atraentes para os jovens franqueados?
As marcas têm de atrair profissionais que sejam nativos digitais, com programas de trainee, por exemplo. É preciso montar a estrutura da franqueadora com gente mais jovem, que ajude a fazer a transformação digital. Isso será importante para entender o franqueado que vem com esse novo olhar. As expectativas mudaram. Anos atrás, os franqueados queriam criar um negócio para deixar para os filhos. Agora não é mais assim. Por que tem muito multifranqueado agora? Porque eles vieram com aquela mentalidade de criar negócios longevos.
Mas um jovem que quer ter experiências novas sempre, que tem hábitos de consumo diferentes, será que ele vai ser multifranqueado depois? Pode ser que amanhã tenhamos outro conceito de franqueado, que não vai ser esse. É claro que parte deles vai querer, são empreendedores exponenciais. Mas há uma mudança no jeito de ver a vida, de investir dinheiro e tempo.
Como um candidato a franqueado pode avaliar uma marca antes de investir?
Primeiro, ele precisa buscar algo com que realmente tenha afinidade. Não pode ser só pelo dinheiro. O trabalho é pesado, exige muita transpiração. Segundo, ver bem a modelagem daquele negócio e estudar com tranquilidade como se ganha dinheiro naquilo. Fazer um bom plano de negócios com a ajuda da família, de terceiros e do franqueador, verificando se há sustentabilidade financeira. E, terceiro, é importante conversar muito com os franqueados daquela rede e com competidores do mercado.
Quais setores estão em destaque agora?
O franchising tem desenvolvido competências grandes em alimentação. Educação é um setor que também está se repensando e vai se reinventar, principalmente em plataformas a distância. Outro segmento em expansão é o de entretenimento, viagens e hotelaria. Também confio muito na construção civil. Nos últimos quatro meses, a Casa do Construtor teve seus maiores faturamentos—um resultado muito diferente do primeiro semestre de 2017. Vamos crescer 10% no ano. Outro segmento que vai se expandir é o de negócios voltados para a melhor idade. E eu aposto que vai surgir algo na área de tecnologia. Fintechs e marketing digital são duas áreas em que surgirão redes.
Quais setores precisam se reinventar?
Os segmentos muito focados em produtos commoditizados vão ter de se repensar, porque o e-commerce terá uma influência grande no mercado. São empresas de qualquer setor, como alimentação, vestuário ou construção, que oferecem produtos sem uma marca estruturada por trás.
Ainda é comum vermos pessoas que investiram todo o seu dinheiro na franquia e perderam tudo. Há redes problemáticas, que não entregam o prometido ao franqueado. Existe um jeito de o setor se autorregular?
Não é a regulamentação que vai resolver o problema. A ABF acredita na capacitação, seja do franqueador, seja do interessado em ser franqueado. Quanto mais preparado esse prospect estiver, quanto mais conhecimento do modelo de negócio esse franqueador tiver, vai ser mais difícil alguém montar uma rede com um negócio que não pare em pé. Ainda vai haver problemas, isso faz parte do processo. Mas a capacitação traz consciência, ajusta expectativas e evita frustrações.
Como a Casa do Construtor passou por esses momentos de oscilação da construção civil e da economia?
Pensamos em produtividade e reavaliamos a entrega de valor para o cliente. Investimos em ajudar o franqueado a fazer a jornada de operador para gestor. Pensamos em vendas, estruturação de equipe, manutenção e logística. O franqueado sentiu a redução na margem, porque o faturamento caiu e, num primeiro momento, as despesas se mantiveram. Foi um processo de amadurecimento. Também repensamos a empresa franqueadora. Criamos um programa de trainee e um comitê gestor. Nós regionalizamos os consultores—antes eles ficavam todos em Rio Claro. Agora vamos deixá-los mais próximos das unidades. O próprio franqueado está mais presente e questiona mais. Isso exige da gente uma postura ativa.
E quais são os planos para o futuro da rede?
Em 2018, queremos crescer 25%. Para alcançar esse resultado, além das ações que já falei, criamos um modelo novo de franquia. A Casa do Construtor + Rental é uma unidade store in store, que funciona dentro de uma loja de material de construção, em cidades pequenas. O valor do investimento é bem menor. Também trabalhamos com a conversão de pessoas que já têm uma locadora de equipamentos para a construção civil. Neste ano, vamos abrir a primeira loja fora do Brasil, no Paraguai.
Fonte;: PEGN
Artigos