Licenciamento ou franchising: como escolher o contrato correto?

Licenciamento ou franchising: como escolher o contrato correto?

Neste momento, parece-me interessante explorar um pouco uma dúvida que me vem sendo questionada já há algum tempo: como escolher entre um contrato de licenciamento e um contrato de franquia para a realização de negócios no formato de rede ou sistema a ser gerenciado?


A dúvida, na verdade, residem nos objetivos de cada modalidade contratual, suas características e consequências jurídicas, quando adotada a modalidade do licenciamento ou do franchising. O que ambos tem em comum é o fato de se enquadrarem na categoria técnica de contratos comerciais por meio dos quais o detentor de um direito imaterial cede, mediante remuneração, um direito ou um conjunto de direitos a alguém para sua respectiva exploração. As coincidências, entretanto, acabam por aí…’


O contrato de licenciamento é uma modalidade de contrato por meio do qual se cede a terceiro o direito de uso de marca de produto ou serviço ou, ainda, propaganda figurativa. O uso da marca poderá estar atrelado a estabelecimentos, propagandas e produtos e em função desse uso gera remuneração ao licenciante, por meio de royalties.

 

Nessa modalidade contratual não se transferem outros direitos: apenas o direito de uso da marca, desde que esta tenha sido regularmente registrada no INPI ou, ao menos, o pedido de registro já tenha sido realizado naquele órgão público. Não se deve admitir que se faça o licenciamento de marca sem, ao menos, o pedido de registro da marca no INPI, pois, em princípio, não se pode licenciar o que não se tem titularidade. Nesse ponto, pode-se questionar se apenas o pedido de registro é suficiente para viabilizar a cessão do direito de uso da marca por meio de contrato de licenciamento. A resposta é positiva, por força do Ato Normativo nº 120/93 do INPI, combinado com os artigos 122, 123 e 124 e em especial 130 da Lei nº 9.279/96.

 

Entretanto, o licenciamento da marca por si só não se confunde com a transferência de tecnologia, assim entendidos os conhecimentos secretos de fabricação ou prestação de serviços de qualquer espécie. Com efeito, o know-how de determinada atividade deve ser protegido por outras modalidades contratuais que não o contrato de licenciamento de marca.

 

Este é o caso do contrato de franchising. Esta modalidade contratual é muito mais complexa que o contrato de licenciamento de marca e envolve não só a cessão do direito de uso de determinada marca, como também a transferência de know how sobre a produção, comercialização e/ou distribuição de produtos ou serviços. No contrato de franquia também estão envolvidas regras estabelecendo o direito de realizar propaganda, o comodato de manuais de franquia e uma série de direitos e obrigações entre as partes que permitem ao franqueador entregar ao franqueado um negócio formatado e que, por essa razão, pode ser replicado na forma de rede ou sistema de negócios.

 

Ante a complexidade dessa forma negocial, estabeleceu-se lei específica para o sistema de franquias, regrado pela Lei nº 8.955/94 que conceitua a franquia da seguinte forma: Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício (Grifos nossos).

 

Como se vê do próprio conceito legal, o contrato de licenciamento de marca está contido no contrato de franquia, mas com ele claramente não se confunde: é apenas parte do todo que compõe o contrato de franquia. Assim, o que se verifica é que neste, opera-se maior complexidade na relação franqueador e franqueado que não se observa no contrato de licenciamento. Explicando melhor, se no contrato de licenciamento de marca o licenciado já conhece a marca que lhe está sendo cedida, não havendo aqui, em princípio, “segredos” que possam surpreendê-lo durante a vigência do contrato de licenciamento, no contrato de franquia todas as informações necessárias à atividade empresarial franqueada pelo franqueador a este pertencem, envolvendo um vasto conjunto de informações que, não fosse a Lei nº 8.955/94, seriam cedidas apenas por meio do contrato de franquia e os respectivos manuais.

 

Por essa razão a Lei de Franquias contém a particular preocupação de garantir ao franqueado acesso prévio a todas as informações necessárias para decidir se deve ou não ingressar em determinada rede de franquias. Assim, a Lei de Franquias dedica extenso texto à circular de oferta de franquia, documento que deve ser obrigatoriamente entregue ao potencial franqueado antes da celebração do contrato de franquia, respeitando todos os requisitos legais previstos para sua validade.

 

Atente-se para o fato de que a legislação em vigor não prevê exigência semelhante para o contrato de licença de marca.
Caso na franquia o franqueador não realize a entrega da circular de oferta de franquia, contendo todos os requisitos da Lei nº 8.955/94, poderá o franqueado requerer em juízo a anulação do contrato de franquia e a devolução das taxas e royalties pagos durante a vigência do contrato de franquia, caso demonstrado que o franqueado, pela ausência de informações, foi induzido a erro na contratação da franquia (art. 4º, parágrafo único da referida Lei).

 

Aí é que remanesce o altíssimo risco de se tentar instituir a franquia, evitando essa forma negocial, valendo-se do contrato de licenciamento de marca, combinando-o com outras modalidades contratuais autônomas (tais como contratos de distribuição, cessão de know-how, prestações de serviços, etc.), bem como em evitar o fornecimento das informações que devem constar da circular de oferta de franquia: há, nessa conduta, elevado risco de que o conjunto de contratos leve eventual debate judicial à conclusão de que o licenciante é, na verdade, o franqueador simulando o licenciamento.

 

É por essa razão que se deve ter em mente, com a clareza necessária, qual a espécie de negócio que se pretende realizar: o mero licenciamento do direito de uso da marca, ou o fornecimento do direito de uso de marca combinado a outras características negociais que impliquem a transferência de um negócio empresarial formatado na modalidade de franquia.
Em suma, a celebração do contrato de licenciamento de marca é, em princípio, mais simples que o contrato de franquia. Entretanto, essa modalidade contratual não protege integralmente o know-how do licenciante que fica restrito à cessão do direito de uso da marca e recebimento dos respectivos royalties.

 

Já no sistema de franquia, tem-se maior complexidade contratual que envolve, por consequência, maior proteção ao franqueador e a franqueado, com remuneração por royalties e taxas de adesão e eventualmente manutenção da franquia, tudo em conseqüência da maior complexidade dessa modalidade contratual que permite a previsão de direitos e obrigações a ambas as partes e que evita o risco de simulações ilícitas.

 

Para tanto, será imprescindível que desde a formatação inicial da rede de franquias, esta seja corretamente operacionalizada pelo franqueador (respeitando os requisitos legais e comerciais do negócio), em especial com a obtenção de assessoria na área de franchising e na área jurídica, atividades de expertise do Grupo Bittencourt.